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O seguro DPVAT - 18/02/2011

Nasceu o seguro sob o pálio da iniciativa privada. Cresceu lentamente, confundida a princípio com o jogo por falta de aprimoramento técnico de seus princípios. Foi adquirindo importância, à medida que se desenvolveu o meio social, trabalhado pelo processo tecnológico que está sempre pondo à disposição de todos facilidades de locomoção, novas utilidades e despertando novas necessidades. Essas inovações, que modificaram constantemente os hábitos sociais, geram também novos riscos, como aconteceu com o automóvel cujo conforto reclama um preço elevado de vidas em acidentes por todo o país.
 
Percebendo a utilidade desta instituição, as autoridades públicas transferiram para sua área, em muitos países, várias espécies de seguros com o objetivo de ampliar seu alcance, a fim de beneficiar a coletividade. Surgiu, então, o seguro social em oposição ao seguro privado (instituto da previdência). Posteriormente, entenderam as autoridades que determinados seguros, ainda que pertencentes à iniciativa privada, deveriam ser obrigatórios, de modo que todos recebessem a garantia contra o risco neles previstos.[1]
 
Neste âmbito surge o seguro obrigatório, adquirindo maior ênfase, a partir de 1966, com a publicação do Decreto-Lei nº 73/66, que tornou compulsórios os seguros: de danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais; de proprietário de veículos automotores de via terrestre, fluvial, lacustre e marítima, de aeronaves e dos transportadores em geral; de responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos pessoais ou coisas; de garantia do pagamento a carga do mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária; de edifícios divididos em unidades autônomas; finalmente, de incêndio e transportes de bens, pertencentes a pessoas jurídicas, situados no país ou nela transportados.   
 
Verifica-se que todos esses seguros continuam regidos pelas mesmas normas técnicas dos demais ramos. Distingue-se apenas pelo fato de serem obrigatórios. Há porem, uma exceção: o Seguro Obrigatório Danos Pessoas Causados por Veículos Automotores De Via Terrestre, chamado seguro DPVAT, que escapa inteiramente ao sistema adotado. Possui regulamentação própria, não sendo permitido às partes contratantes modificar suas condições nem introduzir novas cláusulas, como ocorre nos demais ramos.
 
Todos os proprietários de veículo automotor estão sujeitos a registro e licenciamento, nos moldes estabelecidos pelo Código de Trânsito Brasileiro, e também está obrigado a contratar o seguro DPVAT. É o que estabelece o item I das normas disciplinares do DPVAT, contidas na resolução CNSP 01 de 03.10.1975. O valor arrecadado com os prêmio chega a 0,5 % do PIB nacional, ou seja, o valor dos prêmios é muito elevado.
 
Assim, o seguro em questão, enquanto obrigatório, é o de maior incidência e mesmo em cotejo com os facultativos, é, com efeito, o mais contratado no Brasil. Neste sentido, passo a aprofundar-me sobre o seguro DPVAT, desde sua criação até suas últimas alterações legislativas. Para tanto cabe ressaltar neste tópico a origem do seguro obrigatório em comento, bem como sua evolução legislativa.
 
Os Seguros Obrigatórios foram instituídos peloDecreto-Lei 1.186/39. Posteriormente, foi editado o Decreto-Lei 73/66 que disciplinou o Sistema Nacional de Seguros Privados e previu o seguro obrigatório para proprietários de veículos automotores, no mesmo ano o Decreto-lei nº 75, de 21 de novembro de 1966 foi o responsável pelo ordenamento do ramo securitário em nosso país e, em seu capítulo 4º, cria o Conselho Nacional de Seguros privados (CNSP), órgão regulador e normatizador do mercado e das operações de seguro, no capítulo 5º cria a SUSEP e no capítulo 6º é criada o Instituto de Resseguro do Brasil (IRB). O art. 20, letra “b” do referido Decreto-lei cria, no Brasil, o seguro obrigatório.
 
Em seu pragmatismo simples, o Decreto regulamentador prescrevia valores compensadores de danos pessoais e materiais, e estipulava seus limites, no entanto o causador era obrigado a confessar a existência da culpa no evento, para ensejar a indenização.
 
Assim, em 04 de setembro de 1969, é instituído o Seguro de Responsabilidade Civil dos proprietários de veículos Automotores de Vias Terrestres (RCOVAT). Tal seguro exigia do acidentado a comprovação de culpa do acidente bem como a quitação do prêmio do seguro, para que só assim, fosse indenizado, regulado pelo então vigente Decreto n.º 61.867/67. Referido diploma legal também excluiu a cobertura de danos materiais e ampliou tanto as garantias, atribuído reparação aos danos causados pela carga transportada, como a indenização.
 
Contudo, à época, a noção clássica de responsabilidade civil trazia dificuldades à interpretação desses seguros - motivando a alteração legislativa trazida pela Lei n.º 6.194/74, a qual transformou tal seguro no atual seguro DPVAT (Seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres). Finalmente em 19 de setembro de 1974, foi editada a lei que aboliu o Decreto- lei nº 814, dando nova feição ao seguro obrigatório.
 
O Decreto-lei nº 73, de 21/11/1966, que disciplina o Sistema Nacional de Seguros Privados, preceituava em seu art. 20, alínea b, que são obrigatórios os seguros de: "responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores de vias terrestre,...". No entanto o art. 2º da Lei 6194/74, que teve a sua redação alterada pela Lei 8374, de 1991, determinou o acréscimo ao artigo 20, do Decreto n.º 73, de 21 de novembro de 1966, da alínea "l", criando o seguro obrigatório de "danos pessoais causados por veículos de via terrestre ou por sua carga a pessoas transportadas ou não" (atual DPVAT), ficando revogada em parte a redação antes citada da alínea "b", e o já referido art. 20, ao tratar dos seguros obrigatórios ali previstos, especifica que são de responsabilidade civil aqueles enumerados nas alíneas "b", que na redação atual diz respeito exclusivamente a proprietário de aeronaves e do transportador aéreo, alíneas "c" e "m".
 
Referida Lei trouxe um avanço ao seguro obrigatório, pois estendeu o direito da vítima ao recebimento da indenização a título de DPVAT mesmo quando rompido o nexo de causalidade pela presença dos fatores de exclusão de responsabilidade, ou quando o veículo causador do dano não é identificado, ou quando não houvesse o pagamento do respectivo prêmio e quando a vítima for o próprio condutor ou responsável pelo acidente[2].
 
Em 1992 mais uma vez a lei foi alterada, com a entrada em vigor da Lei nº 8441, a qual ampliou os direitos do beneficiado e deu maior eficiência ao seguro, suas principais modificações foram: ampliação da cadeia sucessória, ou seja, o alcance é ampliado com os parágrafos 1º e 2º do art. 4º da lei, o acidente provocado por veículo desconhecido passa a receber o mesmo valor de indenização, que antes era de 50% do capital assegurado, a data da emissão do bilhete deverá coincidir com a do IPVA do veículo bem como a simplificação da documentação necessária para o processo administrativo.
 
Diante disso, a nomenclatura do RECOVAT, causou enorme confusão na comunidade jurídica da época, pois conduzia ao entendimento que o Recovat filiava-se a teoria da culpa, embora o Decreto- lei 814/69, menciona-se que o pagamento da indenização seria efetuado pela simples prova do dano independente da apuração da culpa. Muitos julgados foram no sentido de obrigar o acidentado comprovar a culpa do motorista do veículo, bem como que comprovasse que o seu bilhete de seguro estava pago. Vejamos julgados do STF, que expõem referidas condições:
 
SEGURO OBRIGATÓRIO – SEGURO VENCIDO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO – RECURSO EXTRAORDINÁRIO- MATÉRIA DE PROVA – SÚMULA 279.Seguro obrigatório.
Responde o proprietário, que não renova tempestivamente o seguro, pelos danos verificados em acidente de trânsito com o seu veículo.
Causalidade do evento. Matéria de prova, que não pode ser reapreciada em recurso extraordinário. Súmula 279. (STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário nº 84.962 do Distrito federal, relator Ministro Cordeiro Guerra, julgado em 02/09/1977).
 
SEGURO OBRIGATÓRIO – FINALIDADE – DANOS A TERCEIROS  - MOTORISTA BENEFICIÁRIO- DEPENDENTES DO BENEFICIÁRIO – LEI Nº 5.488/68 – DEC.-LEI Nº 814/69.
Seguro obrigatório de responsabilidade civil. Estabelecido para cobrir os danos ocasionados a terceiros, não alcança o próprio beneficiário, nem os seus dependentes. Precedentes do STF. Recurso Extraordinário não conhecido. (STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário nº 86.624/8, do Rio de Janeiro, relator Ministro Djaci Falcão, julgado em 22/08/1978)
 
         Referido entendimento foi evoluindo até que se tornou unânime a interpretação legal de que para o recebimento do seguro independia da identificação do veículo, da culpa e por e conseqüência a verificação do pagamento ou não do prêmio. No entanto, a dúvida que persiste é sobre a natureza do seguro se é de dano ou de responsabilidade civil. No Brasil, poucos são os especialistas em contratos de seguro, e segundos estes poucos doutrinadores, não resta dúvida que o DPVAT, não é um seguro de responsabilidade civil.
 
 
 
O DPVAT é regulado pela Lei nº 6194/74, alterada pela Lei nº8441/92 e pelas Lei nº 11.482/2007 e lei 11.945/2009.
 
 
NATUREZA JURÍDICA DO SEGURO DPVAT
 
 
Inicialmente, destaca-se que o legislador procurou amparar o acidentado de trânsito em seu momento de infortúnio de forma objetiva, rápida e sem burocracia. Baseado em estatísticas, nas características sociais da maioria das vítimas de acidente de trânsito, via de regra eram pessoas pobres e excluídos socialmente e, finalmente, na imensidão e diferentes regiões do país formulou a Lei 6194/74, sem no entanto descurar da segurança, com simplicidade em suas exigências para o acesso às indenizações. Nesse contexto o ordenamento legal do DPVAT é cristalino, faça-se a prova de que houve o acidente de trânsito, pelo Registro de Ocorrência; e comprove-se que desse acidente resultou na vítima, condutor, passageiro ou pedestre, a morte ou a invalidez permanente guarde nexo com o  acidente  havido[3].
 
A simplicidade para a montagem do processo para alcançar a indenização devida foi substituída pela feroz burocracia, extra legis implantada pelo gestor do DPVAT. A agilidade pretendida para rápida minimização do desconforto da vítima ou de seus beneficiários foi sobreposta pela utilização de subterfúgios que visam a procrastinação para liquidação do sinistro. A forte preocupação social que permeia a legislação vigente, seu alcance aos desvalidos, seu acesso simplificado, é dificultado pelo sistemático e permanente silencio sobre a existência da Lei e pela total ausência da sua divulgação nos meios de comunicação, ampliando esta dificuldade foram assinadas as Medidas Provisórias 340 e 451, que alteraram gradativamente o seguro em destaque.
 
Na concisa lição de Arnaldo Rizzardo, o seguro DPVAT, “retrata um alcance social muito elevado, destinando-se mais a atender as primeiras necessidades conseqüentes de um acontecimento infausto, que apanha de surpresa as pessoas, e origina despesas repentinas inadiáveis, em outros termos, visa simplesmente dar cobertura às despesas urgentes de atendimento das vítimas dos acidentes automobilísticos em risco permanente de vida, cem a ser um seguro especial de acidentes pessoais, que decorre de uma causa súbita e involuntária, sendo destinada a pessoa transportada ou não, que venham a ser lesados por veículos em circulação ”[4].
 
O Seguro Obrigatório de Danos Causados por Veículos Automotores (DPVAT) é um seguro social, ou seja, tem a finalidade única e exclusiva de minorar a dor em um momento de perda ou trauma. Não tem o condão de funcionar como verba indenizatória ou reparatória, mas tão somente ajudar o necessitado em momento do infortúnio. É pago anualmente por todos os proprietários de veículos na época do licenciamento, sendo o valor único para todos os veículos de passeio nacionais ou importados, sendo diferente aos proprietários de motocicletas e de outro seguimentos em virtude do risco diferenciado que a condução destes veículo oferece ao condutor.
 
O custo do DPVAT para o mercado segurador, é zero e o seu lucro não condiz com os fundamentos da lei que impôs o seguro DPVAT. Sua arrecadação ultrapassa a cifra de R$ 4.500.000.000,00 (quatro bilhões e quinhentos milhões de reais).
 
 Em suma, tudo é garantido pela arrecadação do seguro obrigatório. Mas, a distribuição de lucros ao mercado segurador está em total desacordo com os princípios da lei de 1974, o SUS, ganha grande parte do prêmio, o que deveria ser de responsabilidade do Estado não da sociedade.
 
A propósito, de acordo com o art. 1º do Decreto 2.867/98, os recursos anualmente arrecadados dos proprietários de veículos automotores devem ser distribuídos da seguinte forma: 50% é encaminhado ao Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do governo e  não da sociedade; o restante  é diluído em diversos órgãos, apenas 35% do valor arrecadado é destinado a indenização, referidos órgãos são:
 
A Fundação Escola Nacional de Seguros (FUNENSEG) nota-se que tal é obrigação do mercado segurador e não da sociedade; Sindicato dos Corretores (SINCOR), que também é obrigação do mercado segurador e não da sociedade. Expressivo percentual é destinado à administração do Convênio DPVAT, (FENASEG) Federal Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização,  obrigação do mercado segurador e não da sociedade e, 5% ao DETRAN para campanhas educativas, o restante é encaminhado ao mercado segurador.   
 
O que espanta, é que o lucro, presume-se, advém de atividade empresarial e pressupõe custo, e, que o custo do DPVAT para o mercado segurador, é  zero conforme anteriormente mencionado. Uma das revista de maior expressão nacional já comentou sobre o assunto, com o seguinte destaca: para onde vai o dinheiro do seguro obrigatório[5]
 
 Essa é a deformação imposta a uma idéia de um projeto voltado para o atendimento da grande massa populacional vítima de acidente de trânsito. Buscou se amparar o acidentado, mas, gerou lucro e com isso o prejuízo para o acidentado que acaba pagando duas vezes para receber o mesmo tratamento, ou seja, além de pagar o imposto há ainda o pagamento do prêmio para assegurar os acidentados.
 
Os valores das indenizações, estabelecidas em lei, já foram diversas vezes modificadas, conforme anteriormente mencionamos o seguro até cobriu danos materiais sofridos em decorrência do acidente de transito. O seguro obrigatório atualmente cobre danos pessoais sofridos por qualquer pessoa em decorrência de acidente automobilístico, as indenizações abrangem a morte, a invalidez permanente e despesas médicas, valores que foram modificados pela MP nº340, que futuramente iremos abordar com maior detalhe e riqueza.
 
Antes da Medida Provisória 451 quando alguém sofria um acidente de trânsito e era levado a um hospital credenciado pelo SUS, tinha o direito de optar pelo atendimento em caráter particular coberto pelo DPVAT, até o valor pela lei estabelecido. Hoje o acidentado apenas tem o direito de cobrar junto as seguradoras as despesas que teve com a assistência médicas e suplementares no valore até R$2.700,00 (dois mil e setecentos reais).
 
A indenização pode ser requerida pelo acidentado por representante ou herdeiro, neste sentido acrescenta Paulo Nogueira: “em se tratando de seguro obrigatório, referente aos beneficiários, prevalece a ordem de vocação hereditária estabelecida no código civil”[6].
 
Como já demonstrado, a Lei não condiciona o pagamento da indenização à quitação do prêmio. Há inúmeros casos que os veículos estão com o seguro irregular, ou seja, prêmio vencido e não pago, no entanto tal situação não pode impossibilitar a indenização ao acidentado que nada tem haver com o pagamento ou não do prêmio.  Leone Trida Sene, assim, ensina:
 
“Não há que se falar, pois, em recusa do pagamento da indenização sob a alegação de falta de pagamento do proprietário do veículo causador do acidente.
Nessas hipóteses, as vítimas do acidente ou seus beneficiários, não têm qualquer culpa pela evasão do veículo ou pela inadimplência do proprietário, não podendo, assim, serem penalizadas por algo que não lhes diz respeito. Ao seguro DPVAT cumpre a relevante função social de garantir um mínimo de amparo financeiro à imensa massa de prejudicados por acidentes de trânsito. Por essa imperiosa razão, a Lei exige tão-somente, para o pagamento, a prova do acidente e do dano decorrente.”[7]
 
Nessa esteira o Superior Tribunal de Justiça expediu a súmula 257, afirmando que a falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização.
 
O caminho para se chegar ao pagamento de indenização pelo seguro obrigatório de danos pessoais (DPVAT) pode ser uma novela burocrática que, quando termina, nem sempre atende às expectativas do cidadão. Assim, tendo em vista os inúmeros pagamentos efetuados de forma ilegal e a menor, as demandas judiciais foram crescendo até chegarem ao número exorbitante que temos hoje.
 
Como ficou salientado, o contrato de seguro cobre a culpa do segurador e, desde que ele cause um acidente, cumpre à seguradora efetuar o pagamento independentemente de indagar se agiu com culpa ou não. Salienta ainda, Paulo Lúcio Nogueira, que a seguradora não tem direito de regresso contra o condutor do veículo por ter agido com culpa já que a finalidade do contrato é justamente cobrir este risco, contudo não cobre o seu dolo.[8]Independente, também, se o acidentado era ou não o condutor do veículo que deu causa ao acidente, assim, todas as pessoas são asseguradas contra acidentes automobilísticos no Brasil.
 
Neste diapasão, verifica-se que o seguro emerge em primeiro plano de uma necessidade imperiosa do estabelecimento de um pronto socorro financeiro, uma segurança que, efetivamente, atenda a vítima ou os seus beneficiários no momento em precisam do auxilio.
 
É importante destacarmos que o legislador estabeleceu em 1974 a indenização com base no salário Mínimo em razão da imprevisibilidade do fato e do seu aspecto futuro, bem como uma preocupação com a perenização de um valor mínimo para atendimento de urgência da vítima ou de seus beneficiários. O legislador não se preocupou em indexar, mas, sim, em possibilitar a vítima ou seus familiares um valor mínimo para suprir as necessidades emergenciais advindas do acidente. Evidente que não se trata de quantificação da vida, mas o parâmetro mínimo para atendimento imediato do lesado.
 
Destacado a essência do seguro passamos a dissertar sobre um tema muito emblemático que recai sobre a natureza do seguro DPVAT. Muito se discuti se o seguro obrigatório é um seguro de responsabilidade civil ou se o seguro é de danos ou de pessoas.
 
Autores defendem que o Seguro DPVAT não seria um seguro de responsabilidade civil, pelo fato de que não haver terceiro prejudicado no evento porque o próprio causador do dano pode ser beneficiado. Posicionamento, amplamente defendido pelo nosso escritório.
 
Paulo Lúcio Nogueira, um dos primeiros autores a escrever sobre este seguro, assim, acrescenta:
 
“a criação do seguro obrigatório se deu justamente em virtude do poder aquisitivo baixa do brasileiro, que não tem condições de responder pelos possíveis danos que vem a praticar nessa vida Daca vez mais agitada e tão cheia de riscos. Portanto, trata-se d medida de alcance eminentemente social. Fala-se que, com sua criação, o legislador adotou a teoria da culpa objetiva ou do risco, pois a seguradora deve pagar sem indagar da culpa, quando a indenização comum depende da apuração da culpa. E fala-se ainda que o seguro obrigatório resulta apenas de uma responsabilidade contratual, que o proprietário do veículo é obrigado a fazer em favor de possíveis vítimas e que, assim sendo, nada tem a ver com a teoria do risco. Em tudo há um pouco de verdade porque realmente a seguradora, ao fazer o contrato, assume o risco de pagar no caso de alguns eventos sem indagar de possível culpa do segurado.” [9]
 
Portanto, segundo o prisma desta corrente doutrinária, é possível concluir que a abrangência da responsabilidade civil e a sua tendência moderna de socialização dos riscos fazem com que o fato de o DPVAT ser um "seguro de danos", conforme explicita a literalidade da Lei 6.194/74, não retire a sua natureza de seguro de responsabilidade civil, conforme arremata Sergio Cavalieri Filho, ao mencionar que "a vítima do dano, e não mais o autor do ato ilícito, passa a ser o enfoque central da responsabilidade civil. Em outras palavras, a responsabilidade, antes centrada no sujeito responsável, volta-se para a vítima e a reparação do dano por ela sofrido.
 
O dano, por esse novo enfoque, deixa de ser apenas contra a vítima para ser contra a própria coletividade, passando a ser um problema de toda a sociedade. E o seguro é uma das técnicas utilizadas no sentido de se alcançar a socialização do dano, porquanto, consegue-se, através dele, distribuir os riscos entre todos os segurados.
 
 
O STJ, teve que julgar inúmeros processos sobre a prescrição da pretensão da cobrança do seguro DPVAT, para tanto foi necessário verificar sua natureza, ou seja, identificar se trata de seguro de danos ou de responsabilidade civil.
 
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou no sentido que o DPVAT teria finalidade eminentemente social, de garantia de compensação pelos danos pessoais de vítimas de acidentes com veículos automotores. Por isso, diferentemente dos seguros de responsabilidade civil, protegeria o acidentado, e não o segurado. A prescrição a ser aplicada seria, portanto, a da regra geral do Código Civil, de dez anos. O entendimento foi seguido pelos desembargadores convocados Vasco Della Giustina e Paulo Furtado.
 
Mas o voto que prevaleceu foi o do ministro Fernando Gonçalves. No seu entender, embora o recebimento da indenização do seguro obrigatório independa da demonstração de culpa do segurado, o DPVAT não deixa de ter caráter de seguro de responsabilidade civil. Por essa razão, as ações relacionadas a ele prescreveriam em três anos. O voto foi acompanhado pelos ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Sidnei Beneti.
 
Claudio Luiz Bueno De Godoy, assim, explica sobre o referido art 787 do Código Civil, que define o seguro de responsabilidade civil:
 
“No artigo presente, o Código Civil de 2002 tratou de regulamentos o que sempre chamou de seguro de responsabilidade civil. Ou seja, o seguro assume a obrigação de garantir o pagamento de perdas e danos que o segurado acaso tenha de fazer em benefício de terceiro. Portanto, contrata-se a cobertura da indenização que, eventualmente, o seguro venha a ser obrigado a compor diante de terceiro lesado.
O risco envolve, assim, não só o pagamento de danos emergentes, como também o de cessantes, que, na forma do art. 402, compõem as perdas e danos. “O prejuízo a ser coberto pode abranger, ainda, danos pessoais, e extrapatrimoniais que a conduta do segurado provocou ao terceiro vitimado”.[10]
 
O seguro de responsabilidade civil obriga o segurador a reparar as perdas e danos suportados pelo terceiro, de modo que a indenização é medida pelo tamanho da lesão, o que não ocorre no seguro em comento, pois não há necessariamente a existência da terceira pessoa, pois o próprio causador da lesão será amparado pelo seguro caso venha a sofrer algum dano assegurado pela Lei 6194/74.
 
Um dos grandes seguidores desta tese é o autor Ernesto Tzirulnik, um dos maiores conhecedores da matéria de seguro no Brasil, defende que apesar de sua criação (RECOVAT), não é de responsabilidade civil, e sim, de danos, vez que a indenização deve ser paga à vítima independente da apuração de responsabilidade, conforme constatamos em uma passagem de seu livro,vejamos:
 
“Muito comumente se inclui entre os seguros obrigatórios de responsabilidade civil o seguro de proprietários de veículos automotores de via terrestre, o chamado seguro DPVAT. Bem examinado, o seguro em questão, apesar de sua nominação, não é de responsabilidade civil, e sim de danos, vez que a indenização deve ser paga à vítima independente de apuração de responsabilidade. Para que fosse de responsabilidade civil, o seguro DPVAT só deveria operar quando existisse situação capaz de engendrar a responsabilização do segurado, o que não é o caso. A pacificação jurisprudencial de abatimento deste seguro da indenização devida pelo responsável não lhe transmuta a natureza, apenas lhe imprime caráter indenizatório e o abatimento é permitido porque o seguro é custeado pela parte responsável pela indenização. O seguro DPVAT, por não se enquadrar como seguro obrigatório de responsabilidade civil, e sim seguro obrigatório de danos, prossegue regido por legislação especial.”[11]     
 
Irretorquível, neste contexto, que, rigorosamente falando, o seguro DPVAT não exibe o apanágio dos seguros de responsabilidade civil, sendo, isto sim, seguro de danos. Visando a aprofundar o debate, vale a pena evocar o entendimento de Ayrton Pimentel e Flávio de Queiroz Bezerra Cavalcanti.
 
Referidos autores entendem que a primeira observação a se fazer é que o seguro obrigatório previsto na alínea "l" é de danos pessoais e não de responsabilidade civil dos proprietários de veículos, como dispunha a redação anterior (RECOVAT). A Lei 6.194, de 19/12/1974 dispõe acerca do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não.
 
Conforme destacamos anteriormente o art. 2º da Lei 6194/74, que teve a sua redação alterada pela Lei 8374, de 1991, determinou o acréscimo ao artigo 20, do Decreto n.º73, de 21 de novembro de 1966, da alínea "l", criando o seguro obrigatório de "danos pessoais causados por veículos de via terrestre ou por sua carga a pessoas transportadas ou não" (atual DPVAT), ficando revogada em parte a redação antes citada da alínea "b".
 
Portanto, pode-se observar que o legislador não deu ao seguro DPVAT a natureza de seguro de responsabilidade civil, DPVAT garante uma indenização sem restrições a todos que sofrerem danos pessoais causados por veículos automotores, ou por sua carga, contrariando as características da responsabilidade civil.
 
Como é cediço, o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre – DPVAT foi instituído pela Lei 6194/74, tendo o objetivo de reparar os prejuízos suportados pelas vítimas de trânsito, conforme visto anteriormente. Assim, entendem os ilustres doutrinadores acima mencionados, que o seguro DPVAT não é espécie de seguro de responsabilidade civil, quer na modalidade subjetiva, quer na espécie objetiva, pois os requisitos da responsabilidade civil não são relevantes para a configuração do direito de receber a cobertura legal pela ocorrência do sinistro.
 
 Pela sistemática da lei 6194/74 as indenizações do seguro obrigatório devem ser pagas independentemente de culpa e mesmo na hipótese de ser desconhecido o causador do sinistro. Basta à pessoa lesada comprovar o dano suportado e a efetiva ocorrência do acidente, o próprio causador do dano tem o direito a ser indenizado.
 
Segundo Marco Antonio Scarpassa, nosso legislador estabeleceu como requisito essencial para a configuração da responsabilidade civil o comportamento culposo ou doloso do agente, as hipóteses de responsabilidade objetiva por seu turno representam exceções à regra, haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos específicos em lei. Salienta que: “a Lei 6.194/74 trouxe grande evolução para o campo jurídico da reparação dos danos, à medida que aboliu o seguro de responsabilidade civil obrigatório equivocadamente vinculado à teoria da culpa, assim, instituiu o seguro obrigatório de danos pessoais corretamente filiado à teoria do risco.”[12]
 
Observa-se na jurisprudência, mormente naquela que vem sendo construída pelos Tribunais de Justiça de São Paulo, Paraná e Pernambuco:
 
Seguro DPVAT - Típico seguro de "danos" - Evolução histórica e legislativa - Hipótese não se subordinando à disciplina do art. 206, §3°, IX, do CC, que versa sobre seguros obrigatórios de responsabilidade civil - Modalidades de seguro obrigatório que não se confundem, haja vista o respectivo elenco, expresso no art. 20 do Decreto-lei 73/66 - Prescrição da pretensão para recebimento da indenização DPVAT se inserindo, portanto, na regra geral do art. 205 do CC, de dez anos - Prazo não consumado na espécie - Sentença de proclamação da prescrição afastada. (Tribunal de Justiça de São Paulo, 34ª Câmara de Direito Privado, apelação nº 1174247-00/9, relator; Des. Antônio Nascimento, julgado em 13/08/2008)
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE DIFERENÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO - DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FORMAL INCONFORMISMO. (...). ARGUIÇÃO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL. IMPERTINÊNCIA. APLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 10 (DEZ) ANOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 205 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO QUE COMPREENDE SEGURO DE DANO E NÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. (...). NÃO PODENDO, TODAVIA, AFRONTAR AS DEMAIS DETERMINAÇÕES DA LEI. POSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. PREVISÃO LEGAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (Tribunal de Justiça do Paraná, 8 Câmara Cível, apelação nº462.506-1, Relator Des. Guimarães da Costa, julgado em 12/06/2008). (grifo é nosso)
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE DIFERENÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO - DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. FORMAL INCONFORMISMO. (...). ARGUIÇÃO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL. IMPERTINÊNCIA. APLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL DE 10 (DEZ) ANOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 205 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO QUE COMPREENDE SEGURO DE DANO E NÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. LIMITE MÁXIMO INDENIZÁVEL PREVISTO EM LEI QUE NÃO PODE SER (Tribunal de Justiça de Pernambuco, 2ª Câmara Cível, apelação nº 167909-6, relator Des. Cândido J F Saraiva de Moraes, julgado em 30/07/2008).
 
         Referido relator acrescenta ainda que o seguro de responsabilidade civil obriga o segurador a reparar as perdas e danos suportados pelo terceiro, de modo que a indenização é medida pelo tamanho da lesão. Diversamente, no seguro obrigatório em comento, a cobertura é previamente fixada em lei, não refletindo a espessura do prejuízo verificado no caso concreto.
 
Com efeito, se o seguro DPVAT decorresse da responsabilidade civil, o importe da cobertura deveria necessariamente atender ás três finalidades da indenização: reparatória, compensatória, punitiva. Todavia, a cobertura do DPVAT destina-se apenas a reduzir os prejuízos advindos às vítimas dos acidentes, possuindo nítido caráter assistencial.
 
         Nestes termos, não resta dúvida quanto a importância do DPVAT para nossa sociedade, bem com, a forma desumana como está sendo tratado e modificado por nossos legisladores e governantes.
 
 

[1]             ALVIM, Pedro, O Seguro e o Novo Código Civil, Rio de Janeiro; Forense, 2007, p. 145
[2]             NOGUEIRA, Paulo Lúcio, seguro obrigatório, prática, processo e jurisprudência V. 32, Curitiba, Juruá, 1978. Pag.31.
[3]             NOGUEIRA, Paulo Lúcio, seguro obrigatório, prática, processo e jurisprudência V. 32, Curitiba, Juruá, 1978. Pag. 12.
[4]          RIZZARDO, Arnaldo, A Reparação nos Acidentes de Trânsito, São Paulo; 6ª ED, Revista dos Tribunais, 1995 p. 197.
[5]              “Para onde vai o dinheiro do seguro DPVAT”: Revista veja ,São Paulo: Abril, edição 1942. 08 de fevereiro de 2006. p. 33.
[6]           NOGUEIRA, Paulo Lúcio, seguro obrigatório, prática, processo e jurisprudência V. 32, Curitiba, Juruá, 1978. Pag. 50.
[7]             SENE, Leone Trida, Seguro de Pessoas, negativas de pagamento das seguradoras, Curitiba; Juruá, 2006. p. 156.
[8]               NOGUEIRA, Paulo Lúcio, seguro obrigatário, prática, processo e jurisprudência V. 32, Curitiba, Juruá, 1978. Pag. 33.
[9]              NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Seguro Obrigatório, Prática, Processo e Jurisprudência V. 32, Curitiba, Juruá, 1978. p. 42.
[10]             GODOY, Claudio Luiz Bueno, Código Civil Comentado, São Paulo; Manole, 2007, p. 657.
[11]            TZIRULNIK, Enerto. O contrato de seguro de acordo com o novo código civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147.
[12]            SCARPASSA, Marco Antonio  Revista de Direito Privado, nº 29, 2007; Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 240.
Autor: Bruno Farias Mallmann

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